CAPÍTULO X
então, está na hora do último passo, ela pensa. a última fina corda. ela tira o celular do bolso, em pé, sozinha na proa do barco. há mais pessoas a bordo também, mas ela não conhece nenhuma muito bem. não sabe qual é o passado delas, o que aconteceu para que elas quisessem embarcar aqui. isto é um suicídio coletivo. o combinado é ir para uma ilha deserta aqui perto e ficar na casa do dono do barco, que também vai se matar. tudo começou pela internet. ela está aliviada.
de meses para cá, ela se afastou cada vez mais das pessoas. não saía de casa, demitiu-se do trabalho, ignorava ligações familiares. o celular dela ainda funciona, está sempre ligado, mas ela nunca atende. amigos preocupados começaram a ir na casa dela, então ela resolveu fugir. e foi assim, por semanas, até que achou o dono do barco na internet.
a vida dela já não existe mais. ela não pode, agora, simplesmente retornar e fazer de conta que nada aconteceu. não há como voltar. a única coisa que ainda a liga à ela mesma, é o celular. ela está olhando para ele agora. resolve fazer uma ligação. o ex. a única pessoa que ela achava que realmente gostava. a pessoa para quem, se ainda existisse carinho dentro dela, o carinho seria reservado. ela liga. ninguém atende.
quando está prestes a deixar o celular cair na água, outra idéia vem à mente dela. ela o desliga, o abre e tira o pequeno chip. um chip. não fosse isso, o celular dela não passaria de um aparelho inútil. não fosse este pequeno objetivo, com menos de 5cm, ela não seria mais ela. ela nota mais claro do que nunca; é isto a linha; tão fina, quase invisível. minha vida está presa por esta coisa minúscula. se o chip simplesmente escorregasse de minha mão , em direção à água, sem querer, eu, todos os anos de minha existência, deixariam de existir.
ela deixa o chip cair na água. e uns segundos depois, joga o celular, agora, inútil. ela volta para onde estão os outros. estamos chegando.