Saturday, October 27, 2007

A FUNÇÃO DA ARTE

"Digo não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"



E. Galeano
CAPÍTULO X+?

chego em um dos cantos da ilha. onde ele está? eu o vi vindo para cá. será que já aconteceu?

eu não vim para cá me matar. pode-se dizer que vim justamente pelo contrário; vim para salvar alguém. qualquer pessoa pode ser. simplesmente é algo que eu quero fazer. será que consigo? impedir que alguém se mate? convencê-la? quero tentar. sinto que consigo. por isso vim para cá.


- oi?
- ah... você ainda está aqui.
- heh, sim, ainda não me matei. e você? o que está fazendo aí sentado?
ele não responde. aproximo-me. sento por perto. ele mantém o olhar fixado para o chão. sinto uma tristeza imensa vindo dele.
- então.. qual é o seu nome?
- ..pra que você quer saber?
- ah, heh, só pra saber... vamos, diga. - tento de forma miserável. eu sou patético. eu não presto. alguns minutos de silêncio depois, ele responde:
- felipe.
- hein?
- meu nome é felipe. - ele diz olhando para frente - e o seu?
- hm... pode me chamar de ego.
- ego? que tipo de nome é esse?
- é uma longa história, hehe.

nada me vem à cabeça. o que posso tentar fazer para ajudá-lo? ganhar confiança falando sobre qualquer coisa? perguntar-lhe sobre seus problemas?

- por que você veio para cá?
- pelo mesmo motivo que você. - garoto esperto.
- bom, mas.. quais são seus problemas?
- a vida é o meu problema. o planeta inteiro teria que explodir para que meus problemas fossem embora.

não dá pra conversar assim. mais alguns minutos se passam. ele se levanta. com medo de não poder fazer nada, digo qualquer coisa:
- sabe.. eu já matei uma pessoa.
- haha, sério?
- não ria, é verdade. foi estranho.
- é? por que? quem você matou?
- matei um amigo meu. simplesmente queria experimentar antes de morrer. a sensação de tirar a vida de alguém.
- falando assim parece que você realmente matou..
- mas é verdade.
- hm... você se arrependeu?
- não. gostei, acho. é interessante. a vida da pessoa simplesmente some. praticamente dá pra ver a alma da pessoa saindo, a medida que ela vai morrendo.
- haha que bobagem. você matou ela como?
- asfixiando. nos primeiros minutos é meio desesperador. o que fazer, sabe? mas depois você passa a apreciar.

ele perde o interesse subitamente e não responde. olha pra frente novamente e começa a andar. em direção ao penhasco. levanto-me. quando ele chega perto de cair, digo:
- não se mate. - ele pára.
- por que não? venha também. o que de bom pode acontecer quando se está vivo?

não consigo responder. mil respostas me vem à mente mas sinto uma enorme tristeza que me impede de falar. é culpa dele. garoto maldito. olho para baixo e quase começo a chorar. escuto o vento. frio. uns segudos se passam e levanto a cabeça novamente. ele não está mais lá. foi-se. um garoto menor de idade acaba de se matar na minha frente. e não fiz nada.



ego, novamente, vence.

Thursday, October 25, 2007

CAPÍTULO X+1

estamos chegando. a ilha não é muito grande e tem um estranho formato de cruz. o combinado é esperarmos a noite e então cada um se dirigir para um canto da ilha - somos 4 - para fazer, do jeito que bem entender. quando olho para os outros que estão aqui comigo, não consigo não ficar triste. um garoto jovem, um mais velho e um senhor. sou a única mulher. devo ser mais velha que o do meio, mas certamente mais nova que o dono do barco, o senhor. não conheço nenhuma dessas pessoas. não sei por quê elas querem se matar.

chegamos. desembarcamos. aproximamos-nos da casa. é um lugar bonito. o sol da tarde aquece e ilumina todo o cenário. mas para mim isso não passa disso; um cenário. o dono do lugar fica na varanda da casa, apoiado com os braços na cerca, olhando para o mar. ninguém fala nada. o sol começa a doer. vamos para a sombra. o menino mais novo tira um espécie de celular do bolso. deve ser algum video game muito pequeno. e fica jogando. e o cara de meia idade começa a ler um livro, deitado, junto a uma árvore. eu fico ali perto, também, sentada na grama, sem fazer nada. pensando.


um bom tempo se passa assim, nós ouvindo o barulho das ondas e o vento nos galhos, folhas passeando, areia voando. um lugar tranquilo. um lugar normal. então o menino mais novo se levanta e parece que começa a procurar algo. ele pega um, dois pedaços de madeira e vai juntando mais. que bobagem. pra que isso? ele vai pro meio da praia e bota tudo junto e começa a procurar mais. o velho, talvez curioso, se aproxima dele e também começa a participar. um pouco depois o outro também. alguns minutos depois, quando parece que eles já terminaram, eu me aproximo e noto que eles querem fazer uma fogueira. uma fogueira. que desnecessário. pra que passar por isso agora tão perto do final? eles se deparam com o problema de como acender o fogo. então o velho lembra que há combustível restando do barco e vai lá pegar. ele não demora muito. gasta meio galão. o clima está ficando mais frio. está anoitecendo já. o sol está se indo e fica mais escuro. então ele acende com um isqueiro.


a fogueira, que não parecia ser tão grande, imerge, enorme. um calor súbito vem e nos faz afastar um passo dela. e então depois desse instante, o fogo se estabelece e fica estável. acredito que eu nunca tinha parado para analisar bem uma fogueira. o fogo queimando a madeira. a cena me deixa perplexa. é tão real e tangível. se eu esticar meu braço, minha mão se queimará. irá doer. o barulho da madeira queimando.. os pequenos fios virando fogo em segundos. a fogueira me lembra da vida. grandiosa. intensa. pesada. viva. não lembro da última vez que me senti tão... quente. sinto como se fosse derreter se continuar aqui. afasto-me mais alguns passos, mas o frio que vem pelas costas me congela, forçando eu ficar mais perto do fogo. o frio me deixa sem escolhas. entendo como nunca. quanto mais a escuridão vem, mais se precisa ficar perto da vida. todos os pensamentos rápidos somem da minha mente. só o que resta é a sensação de conforto, perto destas chamas fantásticas e raivosas. esta coisa quente à minha frente nem vida tem e sinto como se fosse mais ativa que eu. e ela não está fazendo nada. só está; aqui, presente, agindo. não sinto mais frio. nenhuma espécie dele. quero ficar aqui para sempre. não quero morrer. não quero desistir. preciso continuar.

muitos minutos se passam nisso e o garoto novo já está deitado perto da fogueira. dormindo, talvez. o velho foi em direção à casa. o outro não sei, mas acho que foi o primeiro a sair. eu sigo vendo a fogueira. já está pela metade do que quando era no começo. mas ainda me fascina. ainda resiste. persiste. os barulhos de madeira queimando continuam. aproximo-me mais. já é tarde da noite, não faço idéia de que horas são. 1h? 3h? não sei e não quero saber. só quero ficar aqui, vendo o fogo na minha frente, até ele desaparecer. sento-me e observo.



a fogueira enfim cessa. o garoto treme de frio. levanto-me, tiro a areia do corpo. dormi? sinto-me cansada. vou em direção à casa. por dentro, é pequena, apesar da aparência. não tem ninguém dentro. deito-me no sofá. sinto-me bem. feliz. viva.
CAPÍTULO X

então, está na hora do último passo, ela pensa. a última fina corda. ela tira o celular do bolso, em pé, sozinha na proa do barco. há mais pessoas a bordo também, mas ela não conhece nenhuma muito bem. não sabe qual é o passado delas, o que aconteceu para que elas quisessem embarcar aqui. isto é um suicídio coletivo. o combinado é ir para uma ilha deserta aqui perto e ficar na casa do dono do barco, que também vai se matar. tudo começou pela internet. ela está aliviada.

de meses para cá, ela se afastou cada vez mais das pessoas. não saía de casa, demitiu-se do trabalho, ignorava ligações familiares. o celular dela ainda funciona, está sempre ligado, mas ela nunca atende. amigos preocupados começaram a ir na casa dela, então ela resolveu fugir. e foi assim, por semanas, até que achou o dono do barco na internet.


a vida dela já não existe mais. ela não pode, agora, simplesmente retornar e fazer de conta que nada aconteceu. não há como voltar. a única coisa que ainda a liga à ela mesma, é o celular. ela está olhando para ele agora. resolve fazer uma ligação. o ex. a única pessoa que ela achava que realmente gostava. a pessoa para quem, se ainda existisse carinho dentro dela, o carinho seria reservado. ela liga. ninguém atende.

quando está prestes a deixar o celular cair na água, outra idéia vem à mente dela. ela o desliga, o abre e tira o pequeno chip. um chip. não fosse isso, o celular dela não passaria de um aparelho inútil. não fosse este pequeno objetivo, com menos de 5cm, ela não seria mais ela. ela nota mais claro do que nunca; é isto a linha; tão fina, quase invisível. minha vida está presa por esta coisa minúscula. se o chip simplesmente escorregasse de minha mão , em direção à água, sem querer, eu, todos os anos de minha existência, deixariam de existir.

ela deixa o chip cair na água. e uns segundos depois, joga o celular, agora, inútil. ela volta para onde estão os outros. estamos chegando.

Wednesday, October 24, 2007

era uma espécie de celebração em uma espécie de faculdade. formatura de alguma turma, talvez, mas todos estavam comemorando. grande parte dos aposentos tinham comidas e bebidas, gente falando alto e rindo. eu estava em uma sala que tinha pouca gente, uns poucos conversando, alguns sentados. passo pela mesa das comidas, sem nada me interessar o suficiente. então me viro para direita e vejo ela, sentada, sozinha. que surpresa. aproximo-me e sento ao seu lado. começamos a conversar. eu, curioso, como sempre, faço um questionário: pergunta atrás de pergunta, sempre interessado e querendo saber mais. acabo descobrindo que ela na verdade nasceu na Itália e viveu até os 10 anos lá. isso me remete aos meus 10 primeiros anos de vida, que pra falar a verdade, eu não lembro de quase nada - sempre foi algo que me instigou muito, simplesmente não lembrar da minha infância. então pergunto como foi a dela, lá. imediatamente o tom da conversa muda; ela fica mais retraída, abaixa a cabeça, se encolhe um pouco e diz - vagamente, com uma voz baixa e que tenta esconder a dor - que não lembra muito bem. eu sinto que algo ruim aconteceu e que não é um assunto agradável pra ela. isso me incomoda, deixa-me com vontade de saber mais, para quem sabe poder fazer alguma coisa para tentar confortá-la, deixar alguma mensagem otimista. aproximo-me mais dela e lhe pergunto algo, acho, também abaixando a minha voz, para que as pessoas do lugar esquecem e não se importassem com a nossa presença.


acordo. fim.

Monday, October 22, 2007

a morte de todo o romance.

há um bom tempo atrás (mais de ano) eu fiz uma promessa comigo mesmo. até hoje, quebrei todas as promessas que já fiz comigo mesmo, penso eu. ela começará dia 27/11/07. a partir de lá, passarei a me comportar de forma diferente. ou pelo menos essa foi a promessa.


ainda há tempo.

Wednesday, October 17, 2007

hoje arrotei com gosto de sangue.

Monday, October 15, 2007

comprovei.

a pior coisa que existe na vida é falsa esperança.

Thursday, October 04, 2007

eu sou egoísta. você também é. e todos sabemos disso.

ontem surpreendi-me com o meu egoísmo. de tamanho. foi estranho e verdadeiro. vou relatar como aconteceu.

estava eu no campus 1 da minha faculdade, procurando um computador vago no laboratório para usar. chegando no lab., perguntei pro encarregado se havia alguma sala disponível. ele disse que não tinha certeza, e pediu para eu esperar a supervisora do lugar, que ela já voltava. enquanto isso, uma outra aluna chega e fica esperando também. então a tal mulher chega e logo diz, para a minha felicidade, que havia sim uma sala disponível. e ela pergunta: quem chegou primeiro?

dando um passo a frente, imediatamente eu respondo "eu". na hipótese de alguém poder passar na minha frente, pegar o que é meu, eu disse, assim mesmo, incrivelmente rápido, como se estivesse tentando salvar a minha vida, que era eu quem tinha chegado antes, portanto o justo seria eu ser atendido antes.



logicamente, um segundo depois disso, eu me afastei um pouco e disse, olhando para a que chegou depois "nah, mas pode ir na frente". afinal, ela não era a mais feia das mulheres. e ela "não, não, tanto faz".

fui atendido primeiro.